O que encontrar nesta página?

Quando pensei em criar o blogger foi para dar vida aos meus escritos, fazê-los participarem da vida das pessoas. O nome se refere as possibilidades de sentido que damos a nossa existência, portanto, mais do que qualquer sentido psicológico eu busco determinados sentidos existenciais nesta aventura inédita que é ser.


sexta-feira, 30 de março de 2012

Sinais



Nuvens escuras, céu nublado. Sinais de chuva.
Tristeza profunda, intermitente, idéias suicidas, isolamento social, avolição. Sinais de depressão.
Os sinais apontam a existência de determinados acontecimentos, a febre indica uma possível infecção ou inflamação.
Um sinal configura-se na mundanidade como com o enigma ou imagem que clama por decodificação por que todo sinal quer ser decifrado. Os códigos que inundam nossa visão falam de coisas a serem consumidas, corpos objetos de desejo que devem ser devorados em uma animalidade sagaz e perfídica.
A linguagem subliminar do individualismo legal que nos habilita a passar uns pelos outros e não fazer qualquer leitura acerca dos sinais de sofrimento ou felicidade, tristeza ou alegria, ansiedade ou calmaria, legitima a indiferença e nos distancia da condição mais primitiva do homem, a sua humanidade.
Antes de inventar a roda, o homem era homem, antes dos castelos ou das armaduras de cavaleiros, antes dos carros ou dos aviões a condição mais ontológica do homem era e sempre foi sua própria humanidade. Sei que inseridos nesta humanidade o ódio, a crueldade ou a apatia são sentimentos que acompanham e fazem parte do humano, porém quero dialogar acerca do lugar que indiferença tem assumido nos dias hodiernos.
Roupas de animais, rostos pintados como circenses no picadeiro das ruas inquietas, perucas de palhaços espantados, fisionomias assustadas, sapatilhas que não cabem nos pés, mas são arrastadas todas as vezes que é preciso sair da calçada para ganhar as ruas na faixa listrada da avenida. Faixa esta que os pedestres deveriam utilizar para atravessar de um canto a outro, porém as crianças estão lá, paradas. Estacionadas no palco da vida porque o sinal ficou vermelho.
São crianças invisíveis prostradas nos sinais de trânsito. Será que o rubro não sinaliza que deveremos parar para pensar nestas crianças anônimas?  Visto que, o que aparece é a faixa que sustentam com os ombros caídos e o corpo esguio, de alguma loja que fatura milhares com a colaboração dos que lêem os dizeres, conseguem decodificar os sinais do letreiro, mas não enxergam quaisquer sinais que estas crianças enviam. São sinais que falam de si, que me aturdiram de modo tão intenso, porque não sei o que falam, o que revelam. São sinais que aparecem em meio a invisibilidade do humano que estão lá a vista de todos, mas imperceptível. Isto causa uma confusão porque a racionalidade não dar conta deste fenômeno, muito menos o sentimentalismo romântico da compaixão. Difícil nomear porque parece que um não lugar também me invadiu.
Crianças segurando faixas de promoção de lojas, expostas aos mais sérios riscos, ao atropelamento, a desidratação, e principalmente ao assujeitamento na estigmatizarão de uma exclusão disfarçada de valores de dignidade, porque “é melhor trabalhar do que ficar por ai fazendo coisa errada”. Exploradas em sua vulnerabilidade, esta é pior desculpa dos que querem sustentar que crianças e adolescentes pobres só têm duas opções, trabalhar para ser gente, ou roubar e ter seu futuro marcado pela bandidagem.
Acho que é preciso pensar em um “tempo da implicação”. Este tempo configura-se na emergência da implicação na leitura dos sinais que inundam a vista da indiferença, marcando o surgimento de um novo laço social que modifique as dinâmicas estáticas da afetividade humana.
O transito continuou, o sinal verde acendeu, indicando que era hora de sair da rua e ir para a calçada, quando o vermelho acendia, hora de voltar com a faixa, sinais estes facilmente compreendido por todos. Sinais visíveis, invisíveis sinais.
Eram quase seis horas, início da noite, depois de um dia de trabalho eu fui para casa e elas continuaram nos sinais segurando a aquela mesma faixa, eu me senti péssimo. Fiquei pensando: tudo que queria era ir para casa descansar e imagino que elas também. Caso não tenham casa acho que queriam ao menos pender o rosto cansado sobre qualquer superfície que pudesse atender aqueles sinais.
Éllcio Ricardo – 30/03/12
 Psicólogo

Um comentário: