O que encontrar nesta página?

Quando pensei em criar o blogger foi para dar vida aos meus escritos, fazê-los participarem da vida das pessoas. O nome se refere as possibilidades de sentido que damos a nossa existência, portanto, mais do que qualquer sentido psicológico eu busco determinados sentidos existenciais nesta aventura inédita que é ser.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Acredito, pretensiosamente, que ainda consigo conservar um pouco no que escrevo.

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente 
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o 
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora 
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário 
do amante exemplar com cem modelos de cartas 
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por um tempo de implicação racial


Estava certo dia em uma unidade de saúde da família de um determinado bairro da cidade de Vitória de Santo Antão e em conversa pouco formal com outros profissionais, chegamos ao tema da política de cotas que o Brasil vem adotando nos últimos tempos. A pouco, o congresso aprovou as cotas nas universidades para alunos de escola pública, porém o que mais me chamou atenção no diálogo foi o quanto algumas pessoas defendem com tanto ardor seus pontos de vista.
Falamos acerca da política de cotas para negros e eu vi algumas pessoas brancas argumentando que deste modo, podemos estar afirmando que os negros são intelectualmente inferiores ou que, não são capazes de se preparar o suficiente e passar no vestibular. Fechamos os olhos e não conseguimos enxergar o quanto os afrodescendentes foram explorados, marginalizados e excluídos dos meios de acesso a cultura, igualdade de renda, educação e saúde em nosso país.
Apenas para identificar e não imaginarmos que estou falando de algo pouco concreto os dados o Observatório da População Negra, afirmam que, negros na faixa etária entre 35 a 64 anos tem uma renda média de R$ 524,00, enquanto a população total ganha R$ 762,00, a porcentagem de analfabetismo entre os negros é de 13%, este índice cai para 10% na população total. A frequência escolar na idade correta dos negros entre 15 e 17 anos, é de 27% e da população geral, na mesma faixa etária, é de 36%. [1]
Não quero afirmar que a política de cotas seja a solução para os problemas de desigualdade, não sei nem se sou a favor das cotas, tenho pouca leitura e participei de escassas discussões para ter uma opinião definida a este respeito, o que eu sei é que esta política se propõe a reparar a situação e minimizar a desigualdade de acesso ao ensino superior no país.
Gostaria de entrar em outro nível de discussão, a partir de uma pergunta que há muito me inquieta. Como nós, brancos, podemos falar com tanta propriedade sobre o que é certo ou errado com relação as lutas e conquistas civis dos negros em nosso país? Por que se a aprovação das cotas aconteceu não foi por causa do movimento branco que lutou para que isso fosse alcançado, aliás, nem existe este movimento, porque não é preciso. Os brancos e ricos não foram vítimas de nenhuma negligência social historicamente construída, não precisam que movimentos os representem, porque se perpetuou no imaginário coletivo a superioridade dos opressores que tem este perfil.
Sobre o imaginário quero falar do modo com o qual a relação entre negros e brancos acontece, os preconceitos, as discriminações e outras violações de direto que envolvem a ordem subjetiva. Subjetividades construídas a partir da invenção do sangue azul dos nobres, da baixa capacidade de raciocínio e mediocridade de inteligência dos negros e da animalidade contida na melanina. Antigas representações sociais que sobrevivem na modernidade. Não pensem que já conseguimos reparar os danos causados a raça que, juntamente com os índios, mais contribuiu para que a cultura brasileira fosse tão diversa e contagiante. Ritmos e comidas, arte e coragem, dignidade e luta não foram os europeus que nos ensinaram. Atabaques e pandeiro, alfaias e rabeca, heranças incontestes do enriquecimento cultural para todas as classes, credos e cores. Penso que se os brancos inventassem tantas possibilidades de sentir e viver com a construção destes elementos concretos e simbólicos quisessem, talvez, patenteá-los para garantir o usufruto particular em nome de um separativismo ignóbil.
Então me pergunto: será que ser contrario a política de cotas para negros não nos colocaria neste lugar da indiferença sem ao menos considerar toda história sócio política da população negra no Brasil?
Parece-me que a política de cotas ameaça os lugares demarcados das carteiras universitárias que estavam destinadas para os brancos, por antecedência. Talvez este seja o grande medo, perderem o trono que os faculta privilégios de classe, descerem o altar do glamour opressor e se misturarem a popularidade do navio negreiro que queiram ou não continua a navegar.
 A conquista de direitos dos negros implica na divisão de espaços sociais, na legitimação de uma mestiçagem que ainda não reconhecemos como algo que constitui nossa gente. Os ideais de beleza impostos por uma ditadura da chapinha fizeram dos cachos, produtos de segunda categoria gerando a ilusão de pertencimento a uma classe que nunca se identificou com seus oprimidos.
Fiquei imaginando, ao participar de um seminário, no qual o palestrante negro expunha dados sobre acesso à educação, desigualdade de distribuição de renda entre negros e brancos, condições de saúde e moradia da população negra e ao terminar sua fala, no momento que se abriu o espaço para perguntas, a plateia, em sua esmagadora maioria branca, ficou muda, não tinha o que perguntar ou contribuir. Depois de um tempo pessoas negras levantaram e fizeram suas observações. De imediato me vem duas impressões, uma mais preocupante do que outra; a primeira é que as pessoas não entenderam o que foi dito ou a dimensão do que foi exposto; a segunda, e mais grave, é que os brancos continuam indiferentes ao discurso emergencial e eloquente da negritude.
Uma pessoa citou o exemplo do ministro do STJ – Tribunal Superior de Justiça, Joaquim Barbosa, que é negro e conseguiu se destacar ocupando um dos cargos de maior cobiça pelo prestigio e, obviamente, pela ótima remuneração. O exemplo foi acompanhado por um: “se ele conseguiu porque outras não conseguem? É só uma questão de querer” (sic). Esta afirmação põem por terra a desigualdade histórica entre brancos e negros, considera que todos têm as mesmas oportunidades e propõem que o insucesso é fruto da preguiça e da acomodação. Parece que alienamos o sujeito do meio social, fazemos dele um boneco de corda que só precisa girar o dispositivo e ele anda sozinho na direção do universo.
Pergunto agora ao caro leitor: se um branco e um negro compram um carro do mesmo modelo, saem juntos em direção ao mesmo local de trabalho, qual chegará primeiro? Resposta: o branco, porque o negro parará na primeira blitz que encontrar no caminho. Escutei certa vez esta estória e acho que faz todo o sentido.
O que estou discutindo aqui não é a possibilidade de um negro chegar a enriquecer ou ser um ministro, porque acredito que a dignidade não é acompanhada da ascensão financeira, quero levantar a lógica da igualdade de racial a partir da garantia da universalidade de acesso aos distintos espaços sociais, educacionais e culturais. Quando falei em outro momento acerca o tempo de implicação[2], não estava pontuando nossa implicação apenas nas questões de garantia de direitos de crianças e adolescentes, estou propondo uma reflexão que perpasse a mobilização para com aquilo que me constitui na distinção com o outro.
Penso que igualdade racial em tempo de implicação é a produção de um cenário composto por brancos discutindo direitos dos negros, se comprometendo em minimizar as desigualdades, semeando grãos de trigo no terreno montanhoso das etnias paradigmáticas, estranhas, belas e gentilmente humanas.






Éllcio Ricardo
Psicólogo 29/08/12


[1] Dados do Observatório da população negra 2009, disponível em: www.observatorionegro.org.br
[2] Artigo: Sinais. Março, 2012. Disponível em: www.sentidospsi.blogspot.com

sexta-feira, 30 de março de 2012

Sinais



Nuvens escuras, céu nublado. Sinais de chuva.
Tristeza profunda, intermitente, idéias suicidas, isolamento social, avolição. Sinais de depressão.
Os sinais apontam a existência de determinados acontecimentos, a febre indica uma possível infecção ou inflamação.
Um sinal configura-se na mundanidade como com o enigma ou imagem que clama por decodificação por que todo sinal quer ser decifrado. Os códigos que inundam nossa visão falam de coisas a serem consumidas, corpos objetos de desejo que devem ser devorados em uma animalidade sagaz e perfídica.
A linguagem subliminar do individualismo legal que nos habilita a passar uns pelos outros e não fazer qualquer leitura acerca dos sinais de sofrimento ou felicidade, tristeza ou alegria, ansiedade ou calmaria, legitima a indiferença e nos distancia da condição mais primitiva do homem, a sua humanidade.
Antes de inventar a roda, o homem era homem, antes dos castelos ou das armaduras de cavaleiros, antes dos carros ou dos aviões a condição mais ontológica do homem era e sempre foi sua própria humanidade. Sei que inseridos nesta humanidade o ódio, a crueldade ou a apatia são sentimentos que acompanham e fazem parte do humano, porém quero dialogar acerca do lugar que indiferença tem assumido nos dias hodiernos.
Roupas de animais, rostos pintados como circenses no picadeiro das ruas inquietas, perucas de palhaços espantados, fisionomias assustadas, sapatilhas que não cabem nos pés, mas são arrastadas todas as vezes que é preciso sair da calçada para ganhar as ruas na faixa listrada da avenida. Faixa esta que os pedestres deveriam utilizar para atravessar de um canto a outro, porém as crianças estão lá, paradas. Estacionadas no palco da vida porque o sinal ficou vermelho.
São crianças invisíveis prostradas nos sinais de trânsito. Será que o rubro não sinaliza que deveremos parar para pensar nestas crianças anônimas?  Visto que, o que aparece é a faixa que sustentam com os ombros caídos e o corpo esguio, de alguma loja que fatura milhares com a colaboração dos que lêem os dizeres, conseguem decodificar os sinais do letreiro, mas não enxergam quaisquer sinais que estas crianças enviam. São sinais que falam de si, que me aturdiram de modo tão intenso, porque não sei o que falam, o que revelam. São sinais que aparecem em meio a invisibilidade do humano que estão lá a vista de todos, mas imperceptível. Isto causa uma confusão porque a racionalidade não dar conta deste fenômeno, muito menos o sentimentalismo romântico da compaixão. Difícil nomear porque parece que um não lugar também me invadiu.
Crianças segurando faixas de promoção de lojas, expostas aos mais sérios riscos, ao atropelamento, a desidratação, e principalmente ao assujeitamento na estigmatizarão de uma exclusão disfarçada de valores de dignidade, porque “é melhor trabalhar do que ficar por ai fazendo coisa errada”. Exploradas em sua vulnerabilidade, esta é pior desculpa dos que querem sustentar que crianças e adolescentes pobres só têm duas opções, trabalhar para ser gente, ou roubar e ter seu futuro marcado pela bandidagem.
Acho que é preciso pensar em um “tempo da implicação”. Este tempo configura-se na emergência da implicação na leitura dos sinais que inundam a vista da indiferença, marcando o surgimento de um novo laço social que modifique as dinâmicas estáticas da afetividade humana.
O transito continuou, o sinal verde acendeu, indicando que era hora de sair da rua e ir para a calçada, quando o vermelho acendia, hora de voltar com a faixa, sinais estes facilmente compreendido por todos. Sinais visíveis, invisíveis sinais.
Eram quase seis horas, início da noite, depois de um dia de trabalho eu fui para casa e elas continuaram nos sinais segurando a aquela mesma faixa, eu me senti péssimo. Fiquei pensando: tudo que queria era ir para casa descansar e imagino que elas também. Caso não tenham casa acho que queriam ao menos pender o rosto cansado sobre qualquer superfície que pudesse atender aqueles sinais.
Éllcio Ricardo – 30/03/12
 Psicólogo